Presidente da Radiobrás no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o jornalista Eugênio Bucci qualificou como "o pior erro de comunicação da história do governo" o vazamento do documento da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, ocorrido na semana passada.
Bucci não critica apenas o vazamento em si, ou seja, o fato de uma avaliação interna do governo ter sido exposta no portal estadão.com.br e, a seguir, em outros meios de comunicação. Para alguém que marcou sua gestão na empresa estatal de comunicação pelo combate ao chamado jornalismo chapa-branca, marcado pelo oficialismo, foi uma enorme "decepção" ver a Agência Brasil citada no documento como integrante de uma rede de promoção do governo, no mesmo nível, por exemplo, do Facebook da presidente.
Bucci critica o uso da rede estatal de comunicação para a promoção do governo - mas faz a ressalva de que essa prática não é exclusiva do PT, e sim generalizada entre governantes de todos os partidos. Em seu recém-lançado livro O Estado de Narciso - A comunicação pública a serviço da vaidade particular, ele também defende que o governo deve ser proibido de fazer propaganda. "O Estado não deve se comunicar com a sociedade por meio de compra de espaço publicitário em veículos privados.", disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
Mas o que o documento sobre as estratégias de comunicação do governo revela? Segundo Bucci, trata-se de um texto muito caricato. "De início, pensei que fosse um trote, que havia sido escrito por algum redator do Zorra Total (programa de humor da TV Globo)",diz o jornalista. Ele diz que não saber quem teria feito o documento, mas ressalta que os sinais indicam que a área de comunicação do Palácio do Planalto não consegue diferenciar o governo do partido. "É preciso compreender que são figuras diferentes, esferas diferentes, sujeitos diferentes. Se não conseguirmos separar um do outro, teremos um recuo civilizatório", afirmou.
Questionado sobre se o PT teria dificuldade para fazer essa separação, Bucci diz que esse tipo de mentalidade, com absoluta segurança, está presente em vários outros partidos e governos. Destaca ser importante dizer que isso não é exclusividade do PT. "Para um número grande de pessoas que operam comunicação de governo, a propaganda é a disputa de uma guerra. Não é por acaso que usam figuras de linguagem bélicas, como 'guerrilha', 'soldados', 'munição'." Essa linguagem, segundo ele, permite depreender que eles enxergam a sociedade como um campo de batalha, e não como um conjunto de cidadãos. "Não há diálogo. O tom é de ocupação e de dominação. Até no Império Romano essa mentalidade seria atrasada.", diz.
Ressaltou que ao longo de todo o documento se depreende a existência do "nós" e do "eles", em referência a quem seriam os participantes dessa guerra. O "nós" aglutina partido, militantes, ministros, Agência Brasil, Empresa Brasil de Comunicação. O "eles" são os que fazem panelaço, os que fazem manifestação contra o governo. "Quando alguém sucumbe a essa lógica do nós contra eles, passa a indiferenciar partido e governo. O que vem depois disso é um descalabro".
A reportagem quer saber então se o documento expõe uma visão de governo ou uma opinião pessoal. Bucci avalia que o governo não repudiou até agora esse documento. E que, portanto, esse silêncio pode ser lido como um aval. "Se não o nega, o governo assina o documento. Deveriam dizer que um texto desses é inaceitável dentro de uma repartição pública.", critica.
A Agência Brasil deveria então ser colocada a serviço da defesa do governo como sugere o texto, ou seja, seria esse o papel dela? Bucci diz que a Agência Brasil faz parte de uma empresa estatal, a Empresa Brasileira de Comunicação. E que uma estatal não pode ser partidária. "Quando se organiza a comunicação estatal, o princípio básico é o de que ela não pode estar a serviço de um partido. A definição do que é estatal está na Constituição, deve primar pelo princípio da impessoalidade. Não sei qual é o entendimento de estatal que está na cabeça dessa gente, mas parece que é outro".
O fato de que o texto, segundo a reportagem, falar sobre o uso de "robôs" nas redes sociais pelas campanhas do PT e do PSDB, o jornalista diz que nas campanhas todo mundo usa robôs. Que há algoritmos tão sofisticados que até fecham operações no mercado de capitais. "Não considero especialmente chocante o uso de robôs. O que choca é o contexto."
Ao fato de que,diz o jornal O Estado de S. Paulo, também haver menção ao uso de propaganda oficial em São Paulo para melhorar a popularidade do prefeito Haddad e, por tabela, da presidente Dilma, Bucci diz que o uso de publicidade para promover o governante é uma prática patrimonialista. Que não deve existir propaganda oficial para melhorar imagem. E se alguém diz que o faz, está indo contra o que a Constituição preconiza. "Está propondo o uso de recursos do Estado para fazer luta partidária. Quem faz esse tipo de proposta seguramente não entendeu o espírito da coisa pública."
A reportagem questiona Bucci sobre como evitar que a propaganda promova governantes, proibição prevista na Constituição, a partir do fato de que o jornalista, em seu livro, mostra que quase todos se utilizam de brechas para ignorar essa regra. Bucci diz que essa iniciativa precisa partir dos cidadãos. Que é preciso proibir que o Estado seja anunciante, a não ser em situações excepcionalíssimas. "Hoje em dia, todas forças políticas, no governo ou oposição, são unânimes ao tratar como normal o uso da estrutura de comunicação estatal para promover o governo ou o governante. Da mesma forma, há muitos jornais pequenos e médios, entre outros meios de comunicação, que dependem de verbas oficiais e que não estão interessados em mudar essa realidade. Não veem esse sistema como algo que corrompe a democracia".
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